Até agora, discutimos bastante sobre “processamento cognitivo” e sugerimos que ele vá além da mente, abrangendo o ambiente. Algumas pessoas podem achar que essa ideia é muito simplista. Afinal, será que o que está na mente é só o que acontece dentro do cérebro?
O que debatemos até aqui é que experiências, crenças, desejos e emoções são definidos pelos estados do cérebro. Porém, queremos ir um pouco além. Embora algumas dessas experiências sejam determinadas internamente, existem outras situações em que o ambiente tem um papel relevante. Vamos discutir como as crenças podem ser influenciadas, em parte, por características do ambiente.
Assim, podemos dizer que a mente se estende para além do corpo. Vamos entender isso melhor com um exemplo. Imagine a Marcela, que descobre por um amigo que está rolando uma exposição no Museu de Arte Moderna e decide visitar. Ao pensar no assunto, ela lembra que o museu fica na Rua 53 e, assim, vai até lá.
É bem claro que Marcela acredita que o museu está na Rua 53, e essa crença já existia antes mesmo dela procurar na memória. Na verdade, muitas das nossas crenças são assim. A crença dela estava guardada na memória, só esperando o momento certo para ser lembrada. Agora, pensemos em Luis, que sofre de Alzheimer. Ele depende do ambiente para organizar sua vida e, por isso, sempre leva um caderno para anotar informações.
Quando Luis descobriu sobre a exposição, ele olhou no caderno, que dizia que o museu localizava-se na Rua 53. Então, ele caminhou até lá. Luis claramente queria ir ao museu e acreditava que ele ficava na Rua 53. Assim como Marcela tinha essa crença antes de consultar a memória, Luis também parece ter acreditado na localização do museu antes de olhar no caderno.
Ao analisarmos as ações de ambos, vemos que o caderno de Luis funciona como a memória de Marcela. As informações que estão no caderno desempenham um papel similar às que estão na memória dela. Dizer que Luis não tem crença até olhar o caderno seria uma interpretação errada. É comum ele usar o caderno para guiar suas ações, assim como Marcela usa a sua memória.
A informação pode aparecer várias vezes no caderno, mudando um pouco de vez em quando, mas isso não significa que as crenças desapareçam quando o caderno está guardado. As informações estão disponíveis sempre que são necessárias, assim como uma crença deve estar. Tanto as crenças quanto os desejos são formados de maneiras que nos ajudam a explicar nossas ações.
Em relação aos papéis que exercem, as situações de Luis e Marcela parecem equivalentes. Maria tinha o desejo de ir ao museu, e essa vontade andou junto com a crença de que o museu estivesse na Rua 53. O mesmo pode ser dito sobre Luis: ele tinha esse desejo e a crença de que o museu era aquele ali no caderno.
Se fizermos a explicação da ação de Luis em outros casos, as ações teriam que incluir o caderno em todas as explicações. Dizer que o caderno é fundamental para Luis e que suas informações desempenham um papel informativo a mais é um exagero. Assim, o caderno de Luis é uma constante, como a memória de Marcela.
Essa simplicidade é uma vantagem. Por exemplo, vamos considerar o caso de um “gêmeo” de Luis, que também leva um caderno, mas anota que o museu está na Rua 51. Hoje, esse gêmeo acreditará que o museu está na Rua 51, enquanto Luis acredita que está na Rua 53. Nesse caso, uma crença não está apenas na cabeça, mas sim na organização das informações que o caderno traz.
Esse relacionamento entre gêmeos e suas crenças mostra que o que faz a diferença não está apenas no conhecimento, mas em como a informação é usada. Os dois casos se tornam evidentes no que diz respeito a referências e verdades, mas a dinâmica de pensamento é diferente.
Se Luis vai até a Rua 53, o “gêmeo” vai para 51. Essa diferença é significativa, pois o impacto da crença está diretamente ligado ao papel que desempenha. Assim como nos exemplos anteriores, a caracterização da crença pode mudar com base em maneiras alternativas de processar a informação.
O que devemos perceber é que crenças não estão limitadas ao corpo. O que define uma crença é como ela se comporta, e isso não precisa se restringir apenas ao interior do corpo. Algumas pessoas podem não concordar com essa ideia.
Por exemplo, alguém pode argumentar que, conforme o uso tradicional do termo “crença”, Luis não se encaixa no que se entende como acreditar que o museu está na Rua 53. Mas nossa ideia é que a noção de crença deve ser ampliada, para que até pessoas com cadernos como Luis se qualifiquem. As diferenças entre ele e Marcela existem, mas são superficiais. Usar uma definição ampla de “crença” nos torna mais precisos e práticos na explicação.
Para discordar de nossa ideia, alguém precisaria mostrar que a situação de Luis é muito diferente da de Marcela. Ambos os casos têm diferenças, mas em que ponto elas são realmente significativas? Se pensarmos em termos apenas de onde a informação reside, levantar esse ponto seria uma questão válida. Se a diferença fosse relevante, precisaríamos entender melhor o que fundamenta essa distinção.
Um argumento poderia ser que Marcela tem um acesso mais confiável à informação, pois sua memória é mais segura. Sim, é verdade que Luis pode perder o caderno a qualquer momento, mas essa constância em Marcela pode estar em jogo. Porém, se Luis frequentemente usa seu caderno, isso dá a ele uma justificação para sua crença.
Além disso, mesmo que o caderno ocasionalmente não esteja acessível, isso não necessariamente elimina sua crença. Assim como alguém pode ter um acesso irregular à memória, isso não a elimina. Os dois casos têm informações disponíveis quando preciso.
Se o caderno de Luis não fosse acessível frequentemente em momentos importantes, poderia haver uma falha. Por outro lado, se o acesso for bom na maioria dos momentos relevantes, a crença continua a existir. Será que Marcela realmente tem acesso melhor às suas informações do que Luis ao seu caderno?
Outra versão seria que Luis usa diretamente a percepção para acessar as informações. Mas isso também poderia levantar dúvidas. Precisamos lembrar que, em termos de sistema cognitivo, Luis e seu caderno funcionam de maneira unificada.
Pois, do ponto de vista desse sistema, o fluxo de informação entre o caderno e o cérebro é bem semelhante ao que acontece dentro do próprio cérebro. A única diferença é que Luis tem um acesso mais perceptivo à informação, enquanto Marcela pode não experimentar isso.
Por que essa distinção deveria mudar o status de uma crença? Mesmo que a memória de Marcela tenha uma certa “aura”, isso não a torna menos válida. As pequenas diferenças entre os dois casos são superficiais. Focar muito nelas pode nos desviar da ideia de que o caderno de Luis tem o papel que as crenças desempenham na vida da maioria das pessoas.
Talvez a ideia de que a crença de Luis não é “real” venha do conceito de que as únicas crenças que importam são as que temos constantemente. Se formos rigorosos com isso, a crença de Marcela também seria desconsiderada, assim como muitas outras que usamos no dia a dia.
Essa ideia extremista pode ser uma maneira de negar a crença de Luis. No entanto, mesmo com uma visão um pouco mais moderada, acreditar que uma crença precisa estar acessível à consciência faz com que o registro de Luis no caderno tenha a mesma validade que a memória de Marcela.
Quando aceitarmos que as crenças podem existir fora da mente, começaremos a ver como a definição de crença pode ter mais profundidade e utilidade, nos permitindo entender melhor a natureza da cognição humana.