Nos últimos cinco anos, o Brasil testemunhou um boom de startups.
Os principais hubs de startups do país tradicionalmente têm sido São Paulo e Belo Horizonte, mas agora uma nova onda de cidades está construindo seus próprios ecossistemas locais de startups, incluindo Recife com o porto digital e Florianópolis com a Acate. Mais recentemente, um “Vale do Silício Negro” começa a tomar forma em Salvador da Bahia.
Enquanto as finanças e a mídia estão tipicamente concentradas em São Paulo e no Rio de Janeiro, Salvador, cidade de três milhões de habitantes da Bahia, é considerada uma das capitais culturais brasileiras.
Com 84% da população afro-brasileira, há raízes profundas, ricas e visíveis da África na história, música, culinária e cultura da cidade. O estado da Bahia é quase do tamanho da França e tem 15 milhões de pessoas. O legado criativo da Bahia é bastante claro, já que quase todos os grandes patrimônios culturais brasileiros têm suas raízes aqui, do samba e da capoeira a diversas iguarias regionais.
Muitas pessoas desconhecem que o Brasil tem a maior população negra em qualquer país fora da África. Como contrapartes nos EUA e em todas as Américas, os afro-brasileiros há muito lutam pela equidade socioeconômica. Assim como os pares nos Estados Unidos, os fundadores da Black brasileira têm menos acesso ao capital.
Segundo pesquisa do professor Marcelo Paixão, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, os afro-brasileiros têm três vezes mais chances de ter seu crédito negado do que seus pares brancos. Os afro-brasileiros também têm mais o dobro das taxas de pobreza dos brasileiros brancos e apenas um punhado de afro-brasileiros ocuparam posições legislativas, apesar de comporem mais de 50% da população. Sem mencionar que eles compõem menos de 5% do nível superior das 500 maiores empresas. Em comparação com países como os Estados Unidos ou o Reino Unido, a lacuna de financiamento racial é ainda mais gritante, já que mais de 50% da população brasileira é classificada como afro-brasileira.
Bahia pode ser epicentro da inovação na América Latina
Salvador (capital da Bahia) é o berço natural do Vale do Silício Negro, que se concentra em grande parte em torno de um polo ecossistêmico local, o Vale do Dendê.
A Vale do Dendê coordena com startups locais, investidores e agências governamentais para apoiar o empreendedorismo e a inovação e executa programas de aceleração de startups com foco especificamente no apoio aos fundadores afro-brasileiros. A organização Vale do Dendê Accelerator já esteve nos holofotes em publicações internacionais e nacionais por causa de seu trabalho inovador em levar a educação tecnológica e startups de comunidades tradicionais para comunidades tradicionalmente carentes.
Em quase três anos, a aceleradora apoiou 90 empresas diretamente que cortam diversos setores, com alta representação dos setores de impacto criativo e social. Quase todas as empresas alcançaram um crescimento de dois dígitos e várias empresas passaram a captar mais financiamento ou apoio corporativo. Uma das primeiras empresas de portfólio, a TrazFavela, aplicativo de entrega que tem como foco a vinculação de clientes e bens de comunidades tradicionalmente marginalizadas, foi apoiada pela aceleradora em 2019. Apesar do bloqueio, o negócio cresceu 230% entre o período de março e maio após a incubação e recentemente assinou um acordo para mais apoio e investimento do Google Brasil.
Há um claro reconhecimento do caso de negócios para as empresas afro-brasileiras. Outra empresa apoiada no início com a mentoria da Vale do Dendê é a Diáspora Black (que tem como foco a cultura negra nos setores turísticos). Atraiu apoio do Facebook Brasil e cresceu 770% em 2020.
O mesmo acontece com a AfroSaúde, empresa de tecnologia de saúde focada em comunidades de baixa renda com um novo serviço para prevenir o COVID-19 nas favelas (favelas urbanas, que, aliás, têm alta representação negra). O aplicativo agora tem mais de 1.000 profissionais de saúde negros em sua plataforma, criando empregos enquanto aborda uma crise de saúde que havia sido tremendamente racializada.
Estamos à beira de um renascimento aqui na Bahia.
Apesar da situação econômica desafiadora do Brasil, grandes empresas e investidores nacionais e globais estão tomando conhecimento desse boom de startups. A maior empresa de TI Qintess entrou como um grande patrocinador para ajudar Salvador a se tornar o principal hub de tecnologia black na América Latina.
A empresa anunciou um investimento de cerca de 10 milhões de reais nos próximos cinco anos em startups black, incluindo uma colaboração com a Vale do Dendê para treinar cerca de 2.000 pessoas em tecnologia e acelerar mais de 500 startups lideradas por fundadores da Black. Além disso, em setembro, Google lançou um Fundo Black Founders de 5 milhões de reais com o apoio da Vale do Dendê para impulsionar o ecossistema de startups afro-brasileiro.
Não há dúvida de que a nova onda de inovação virá dos mercados emergentes, e a diáspora africana pode desempenhar um papel importante. Com a maior população de diáspora africana do mundo no hemisfério, o Brasil pode ser um dos principais líderes nisso. A Vale do Dendê faz questão de construir parcerias para tornar o Brasil e a América Latina um ecossistema de startups e economia criativa mais representativo.